21 de Novembro | November 21
Painel I – Logos, ethos e pathos na representação da liderança e da participação feminina em política | Panel I – Logos, ethos e pathos in the representation of leadership and female participation in politics
Carla Martins: “Participação política feminina: a lei da paridade numa perspectiva longitudinal” A comunicação visa enquadrar histórica, política e sociologicamente a participação política feminina desde a Revolução democrática de 1974, identificando momentos em que a subrepresentação e invisibilidade das mulheres nesta esfera adquiriram relevância na agenda política e pública. Entre estes momentos destaca-se a publicação, em 2006, da Lei Orgânica n.o 3/2006, de 21 de agosto, que estabelece que as listas eleitorais para a Assembleia da República, o Parlamento Europeu e as autarquias locais devem assegurar uma representação mínima de 33% de cada um dos sexos. As medidas previstas foram aplicadas pela primeira vez nos três atos eleitorais de 2009. Assinalando-se, em 2016, os dez anos da publicação deste diploma, será importante perceber que efeitos produziu na evolução da participação política feminina e na construção do projeto de partilha de poder entre homens e mulheres. A própria Lei da Paridade convida a este exercício ao prever uma avaliação de impacte na promoção da paridade entre homens e mulheres. Ana Cabrera: “O Parlamento Europeu e a questão da paridade” A União Europeia tem tido um papel de liderança fundamental nas questões de igualdade de género e da paridade e tem funcionado em articulação com os fóruns mundiais (Ferreira, Silveirinha, Cabrera). É com base nas recomendações da UE que as leis nacionais vão incorporando as recomendações relativas à igualdade de género e da paridade na representação política. O Parlamento Europeu, composto por 751 deputados, eleitos por 28 estados membros é, por isso, um objeto privilegiado para compreender a evolução da representação das mulheres, quer em termos gerais, quer particularizando a situação da representação portuguesa. O objetivo desta comunicação é, assim, analisar a evolução da presença das mulheres no Parlamento Europeu e apresentar um estudo sobre a representação portuguesa naquele Parlamento. Carla Baptista: “O jornalismo e o feminismo - questões genéricas de uma relação problemática” Através de um levantamento bibliográfico e da experiência investigativa adquirida com a participação no projecto “Política no Feminino”, a comunicação visa identificar e discutir alguns dos principais problemas/deformações que surgem de forma sistemática nas representações jornalísticas das mulheres na política. Teresa Mendes Flores: “Representações jornalísticas da política no feminino: análise das discussões e da aprovação da Lei da Paridade” Esta apresentação consiste na análise das representações jornalísticas da intervenção dos deputados e deputadas, na Assembleia da República, durante a discussão e aprovação da “Lei da Paridade” e vem complementar um estudo já efetuado por nós sobre as representações relativas às discussões anteriores sobre o tema, na mesma Assembleia, em 1999 e 2001 (Flores e Mata, 2011). Esta análise permitirá confrontar os novos resultados com as reflexões suscitadas pelo nosso estudo anterior - que demonstrou a tendência para a reprodução de estereótipos de género na forma como o jornalismo representa o papel da mulher “política”. Maria José Mata: “Construções jornalísticas da personagem de uma líder ” Tendo como base as conclusões resultantes do estudo sobre a cobertura jornalística parlamentar das questões da paridade, propõe-se aqui um exercício complementar de observação do modo como o jornalismo tem interiorizado, na sua retórica discursiva, o papel da liderança política no feminino. Dez anos depois da aprovação da Lei da Paridade, num quadro que coloca a meritocracia no centro do debate, interessa-nos, a título de exemplo, verificar como foi criada e de que valores foi investida a “personagem” da recentemente eleita líder partidária Assunção Cristas, e com base em que argumentos são sustentados. Será que o jornalismo incorpora os valores da paridade na representação dessa liderança? Há uma retórica de resistência ou de mudança? Painel II – Abrindo a Caixa de Pandora: Perceções e opiniões das/os portuguesas/es em relação à participação política das mulheres e às medidas de combate às desigualdades de género | Panel II – Opening Pandora’s Box: Perceptions and opinions of the Portuguese in relation to political participation of women and measures to fight gender inequalities
Rui Vieira Cruz: “As mulheres da Presidente[1]: percepções sobre participação das mulheres na política portuguesa” Volvidos dez anos após a aprovação legal da Lei da Paridade em Portugal (Lei Orgânica nº 3/2006, de 21 de agosto), ainda pouca informação é conhecida sobre as atitudes e opiniões dos indivíduos portugueses acerca da participação das mulheres na vida política, com algumas exceções (e.g., Espírito-Santo, 2015). Assim, a dimensão da temática e a sua complexidade constituem, ainda, um desafio interpretativo sobre as vantagens e os formatos da Lei da Paridade. Esta comunicação pretende, por isso, fomentar o debate em torno de práticas de representação política. Tendo por base a aplicação de um questionário, procedemos à análise descritiva e exploratória dos dados, considerando as diferentes perceções e representações sobre a participação das mulheres na vida política em diferentes esferas, desde o poder local ao europeu. Tentamos, ainda, perceber como os diferentes níveis de interesse dos indivíduos por política e a sua autodefinição nos diversos quadrantes partidários determinam a sua compreensão sobre os motivos que possam afastar as mulheres da vida política. Incidimos, também, nas considerações sobre a vertente quantitativa do número de mulheres na vida partidária e nas perceções sobre a vertente qualitativa de como exercem as suas funções. Por fim, visamos perceber os motivos que são vislumbrados para o menor número de mulheres na vida política. Carla Cerqueira: “As sombras de género na política: perceções sobre a cobertura noticiosa e as escolhas profissionais” As relações entre política, género e média têm estado no centro da discussão académica (Santos, Cabecinhas, & Cerqueira, 2014). Este interesse advém do aumento de participação das mulheres na vida pública e na política ativa, reflexo de mudanças societais que se verificam de forma mais abrangente. Além disso, os média apresentam-se como lugares de expressão de assuntos e atores sociais, enquanto mediadores entre quem exerce cargos políticos e o eleitorado (Croteau, Hoynes, & Milan, 2011), podendo influenciar o exercício da cidadania e a (re)configuração de relações de género no campo político. Contudo, é de salientar a persistência de representações estereotipadas a nível da produção de conteúdos mediáticos, bem como da (re)produção de uma visão androcêntrica que acaba por acentuar as assimetrias simbólicas (Amâncio & Oliveira, 2006) existentes, neste caso concreto da política, por se tratar de uma esfera masculina (Evans, Harrison, Shears, & Wadia, 2013). Esta ideia advém de uma visão mais globalizante que continua a acentuar a dicotomização de posições e papéis tradicionais de género, nomeadamente no que se refere às escolhas profissionais, procurando naturalizá-los (Bem, 1993). Nesta comunicação apresentam-se os resultados do questionário relativamente à forma como as pessoas percecionam a cobertura noticiosa de mulheres e homens em cargos políticos. Dos dados destacam-se também as opiniões relativamente às mulheres e homens jornalistas que fazem cobertura de temas de política. Nesta ótica, centra-se a discussão em torno dos conteúdos produzidos no campo jornalístico, bem como em quem os produz. Outra dimensão analisada prende-se com as opiniões das pessoas em relação às áreas e profissões mais direcionadas para mulheres e homens, com o objetivo de perceber a influência (ou não) dos estereótipos e papéis sociais de género. Maria Helena Santos: “Descobrindo o icebergue: opiniões sobre a Lei da Paridade e outras medidas de promoção da igualdade de género” O reconhecimento de barreiras informais, geradoras de desigualdades ao nível dos resultados (Dahlerup, 2005), tem levado diversos países a implementar vários tipos de medidas de ação positiva (e.g., as “quotas voluntárias dos partidos” e as “quotas legislativas”, também designadas por “Lei da Paridade”), já adotadas em mais de cem países (Krook, Lovenduski, & Squires, 2009), entre os quais Portugal. De facto, após uma tentativa de introduzir as quotas, em 1999, e de a Lei da Paridade ser discutida em 2001, foi aprovada em 2006 e implementada com relativo sucesso em 2009 (Santos & Amâncio, 2012a, 2012b). Este tipo de medidas (e outras estratégias alternativas, desenvolvidas pela sociedade civil, partidos políticos, parlamentos, Estado, etc.) tem constituído um mecanismo crucial para redinamizar o progresso (Krook & Norris, 2014), contribuindo para o aumento do número de mulheres na política (IPU, 2016). Contudo, também tem sido o tipo de políticas mais criticado das últimas duas décadas (Krook & Zetterberg, 2014), gerando fortes controvérsias sociais a nível internacional (Dahlerup & Freidenvall, 2008) e nacional (Santos & Amâncio, 2012a; Santos, Amâncio, & Alves, 2013), sobretudo no que concerne ao poder local (Santos, Roux, & Amâncio, 2016), independentemente do sexo e da orientação política. Um estudo recente, realizado por Espírito-Santo (2015), mostrou que a população portuguesa gostaria de ver a presença das mulheres aumentar no Parlamento, sendo percebida como um sinal de melhor qualidade da democracia, desde que não aumente demasiado. Nesta comunicação iremos apresentar e discutir as opiniões da população sobre três questões (a Lei da Paridade; o aumento da participação política das mulheres; e a criação de outras medidas que potenciem a sua presença neste contexto), considerando o sexo e a orientação política. Dez anos após a mudança formal, pretendemos clarificar se estas variáveis são importantes no que respeita à promoção da igualdade de género [1] Referência à série televisa West Wing, traduzida para português como “Os Homens do Presidente”. Painel III – Poder no feminino | Panel III – Power in the feminine
Maria Antónia de Figueiredo Pires de Almeida: “As mulheres no poder local em Portugal” A revolução de 25 de abril de 1974 alterou a participação das mulheres na política portuguesa. Introduziu a igualdade de género a nível de direitos de cidadania, e também a nível político, tanto na qualidade de eleitores como de representantes eleitos. A partir de uma perspetiva histórica, esta comunicação oferece uma resenha da legislação e uma avaliação sociológica da classe política portuguesa com o objetivo de abordar a questão do género. Centrando-se no poder local entre 1974 e 2013, analisa a participação ativa das mulheres nas primeiras comissões administrativas nomeadas em 1974 e que funcionaram até às primeiras eleições autárquicas de 12 de dezembro de 1976, a que se seguiram eleições regulares primeiro com intervalos de três anos e, a partir de 1989, de quatro. Apesar de o regime democrático já ter ultrapassado as quatro décadas de existência, a realidade é que ainda se verifica uma sub-representação das mulheres nos cargos de representação política em Portugal. Em todos os níveis de governo avaliados, e em conformidade com as tendências demográficas, as mulheres têm níveis mais altos de escolaridade e profissões com maior grau de especialização, especialmente nas áreas do ensino e da gestão. Os partidos mais à esquerda apresentam maior equidade de género. Discutem-se novas formas de participação política e de cidadania a nível local, como as candidaturas de grupos de cidadãos eleitores, e alguns incentivos a uma maior participação dos cidadãos na vida autárquica, nos quais a presença das mulheres tende a assumir relevância crescente. Albertina Jordão: “Eleições autárquicas – 40 anos de poder local. Tantos lugares e tão poucas mulheres” As primeiras eleições autárquicas sem qualquer tipo de restrição tiveram lugar em 1976, a 12 de dezembro. Assinala-se este ano 40 anos de poder local livre e democrático que veio transformar o país do ponto de vista das condições de vida, mas também da participação política das populações no desenvolvimento. Os partidos políticos organizam-se para, localmente, marcarem o território e neste processo a aprendizagem da democracia representativa é feita de avanços, uns mais rápidos do que outros. Neste processo a eleição de mulheres e homens é uma marca da assimetria desse desenvolvimento, que se tem traduzido por um incompreensível reduzido número de mulheres nos órgãos autárquicos, em particular para os executivos (câmara municipal e junta de freguesia). Os magros ganhos têm-se registado nos órgãos deliberativos, para a assembleia de freguesia e para a assembleia municipal. Um estudo recente[1] permite confirmar que existe um padrão que empurra as mulheres para estes órgãos, estando os homens mais representados nos órgãos executivos. Nesta comunicação propomos partilhar algumas leituras que resultam da investigação realizada a partir da observação dos resultados eleitorais, em particular nos concelhos da Região da Grande Lisboa, desde 1989. De 1989 até à data tiveram lugar sete eleições autárquicas, as duas últimas, em 2009 e 2013 já com a aplicação da Lei n.º 3/2006, aprovada em 21 de Agosto de 2006, a “Lei da paridade: estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos». A referida lei excecionou desta obrigação os órgãos das freguesias com 750 ou menos eleitores e os órgãos dos municípios com 7500 ou menos eleitores. Ana Vargas/Teresa Fonseca: “De que falam as mulheres? As intervenções das Constituintes de 1975-1976” Na sequência das primeiras eleições livres realizadas em Portugal por sufrágio universal, 27 mulheres assumiram funções na Assembleia Constituinte de 1975-1976, num universo total de 327 Deputados. Com uma reduzida participação feminina, que se reflete também na composição das comissões que elaboraram as propostas de articulado da Constituição, o Plenário contou com intervenções de 22 Deputadas. Analisam-se os discursos das primeiras parlamentares da democracia portuguesa, que, além de se debruçarem sobre questões sociais, culturais e educativas, abordam a situação política do país e contribuem para a discussão de diversas matérias do texto constitucional. A fraca participação das mulheres nas estruturas políticas, a conciliação entre vida familiar e atividade profissional, as desigualdades laborais são temas centrais nos discursos. Como referia a Deputada Rosa Gomes, “a situação da mulher portuguesa, que, neste agitado período de quase dois anos, a que se chamou e se quis revolução, não viu alterado o seu estatuto de dependência, de obscurantismo, de exploração.” Destacam-se dois momentos: o debate sobre o princípio da igualdade, em agosto de 1975, com a polémica gerada em torno da proposta para a inserção do artigo “Igualdade de direitos da mulher”, e a discussão, no mês seguinte, sobre direitos laborais, com o Deputado Romero Magalhães a afirmar: “o problema da mulher (…) ultrapassa a esfera do económico para a esfera do mental (…) é no homem que reside o problema da mulher.” Faz-se ainda referência à atitude dos homens perante a participação das mulheres no Parlamento, ilustrada, por exemplo, com a intervenção do Presidente perante um pedido de esclarecimento da Deputada Helena Roseta – “Custa-me tanto dizer que não a uma senhora!”, seguida de desculpas pelo “gesto de marialva”. “A libertação da mulher [era] uma longa luta que não [cabia] toda na Constituição”, como afirmava a Constituinte Rosa Rainho. Nicolas Pitsos: “Struggling for equal citizenship and voting rights in Greece during the Interwar period “ In 1920, the League for Women’s rights was founded in Athens, by Avra Theodoropoulou, Maria Negreponti, Maria Svolou along with other feminists. Associated with the International Woman Suffrage Alliance, it claimed voting rights for every woman, while at the same time it participated in the establishment of the ‘Little Entente of Women’, made up of feminists from Czechoslovakia, Greece, Poland, Romania and Yugoslavia, seeking a peaceful settlement of territorial disputes. In such perspectives, the League for Women, distinguished itsemf from the nationalist ideals and conservative views prevailing within other feminist groups in Greece of the early 20th century. This combative and active feminism, led to a limited participation of women in the municipal elections of 1934. However, this trend was brutally brought to an end, as a result of the fascist dictatorship of Metaxas in 1936. During the Second World War, women in the regions liberated by resistance groups close to the Communist Party of Greece, were allowed to take part in the elections organised in areas under its control. Despite this progress, it was not until the ratification of a UN decision, in 1952, that Greek governement recognized full political rights to all women. Through the consultation of the first life-cycle of the magazine, Woman’s Struggle, launched by the League for Women’s rights between 1923 and 1936, this paper has a dual purpose. On the one hand, it aims at studying the main commitments for equal citizenship within Greek society, undertaken by members of this association during the Interwar period. On the other hand, it seeks to place their discourses and initiatives in a broader ideological context and transnational networks of feminist and socialist movements of that era. Maria Gabriela Silva: “Do Republicanismo ao direito de voto feminino” Visa-se, com a presente comunicação, demonstrar a capacidade de luta desenvolvida pelas mulheres na conquista do direito de voto desde o Republicanismo até à nova lei eleitoral de 15 de novembro de 1974, de modo a entender-se a coragem feminina, a inteligência e a perspicácia argumentativa e ativa plasmada numa luta que, enfrentando reveses de décadas, acabou por atingir e concretizar os seus objetivos num percurso longo, ensombrado por discórdias, separações e litígios, mas sempre assente num fim único e igualitário para todas as mulheres: a conquista do legítimo direito ao voto feminino [1] Estudo sobre a aplicação da lei da paridade do projeto promoção da cidadania e da igualdade de género, Dinâmia-CET/ISCTE-IUL, 2011, 160 pp, recenseado na Revista ex æquo 31, 2015, disponível em: http://exaequo.apem-estudos.org/files/2016-07/13_Estudo_sobre_a_aplicacao_da_lei_da_paridade.pdf |
22 de Novembro | November 22
Painel IV – Movimentos sufragistas |Panel IV – Suffragist movements
João Esteves: “O início: a reivindicação do sufrágio feminino na 1.ª república” Se houve assunto que acarretou acalorado debate público e institucional nos meses subsequentes ao triunfo da República Portuguesa, a 5 de Outubro de 1910, e se prolongou, embora com menor visibilidade, durante os dezasseis anos seguintes, até 1926, foi o do sufrágio feminino, envolvendo a imprensa, associações, políticos, parlamentares – deputados e senadores –, governantes, ministros, chefes de governo, Presidentes da República e, até, juízes e tribunais, proporcionando, ainda, as primeiras ligações às organizações feministas internacionais. Porquê a reivindicação do voto? Porque só a sua obtenção transformaria as mulheres em cidadãos da República, pela qual, aliás, tinham batalhado, a pedido dos homens republicanos, e suportado ameaças, ataques e injúrias. Além disso, o “direito de voto é o mais legítimo e imprescindível de todos os direitos numa sociedade constituída”, já que votar significa “ter o direito de vigiar de perto a administração do país de que faz parte e dar-lhe todo o concurso da sua inteligência e trabalho” [Ana de Castro Osório, “O triunfo feminista - A conquista do voto”, O Tempo, 16/05/1911]. A sua reivindicação, exteriorizada em Outubro de 1910, teve o seu apogeu com o voto de Carolina Beatriz Ângelo nas eleições de 28 de Maio de 1911 para a Assembleia Nacional Constituinte. E ele não pode ser considerado um acaso ou uma benesse, só sendo entendível na sequência da revolução republicana, quando os novos poderes não estavam definitivamente instituídos, e porque algumas centenas de mulheres funcionavam desde o início do século como grupo organizado, intervindo quotidianamente no espaço público. O sufrágio feminino constitui, por fim, a temática que melhor permite apreender o relacionamento da elite republicana feminina, feminista e maçónica com o novo regime, as esperanças e desilusões e, sobretudo, como a rutura de poderes foi, no imediato, favorável às aspirações de algumas mulheres. Fátima Mariano: “A reivindicação do voto feminino na Península Ibérica: convergências e divergências” Em Portugal e em Espanha, o debate em torno da questão do sufrágio feminino surge um pouco mais tarde do que nos EUA e em Inglaterra e nunca teve o mesmo grau de atractividade nem de combatividade registado nestes dois países. Segundo Fernando Álvarez-Úria, historicamente, foram três os grandes obstáculos à entrada das mulheres dos países do Sul da Europa no mundo da política: a misoginia da religião cristã; os códigos legislativos que lhes conferiam um estatuto de cidadão de segunda; e as teorias médico-científicas que identificavam os homens com a razão e as mulheres com a emoção. No caso da Península Ibérica, acrescentamos a elevada taxa de analfabetismo feminino e um desenvolvimento industrial tardio. Com esta comunicação propomo- nos analisar as estratégias adoptadas pelas Portuguesas e a Espanholas desde o século XIX até à década de 30 do século XX para a obtenção do direito de voto, identificar quem as apoiava e quem era contra e os pontos de convergência e de divergência entre os dois movimentos. Manuela Tavares: “Feministas e sufragistas – encontros e desencontros” A luta pelo direito ao voto para as mulheres, designado por sufragismo mobilizou durante mais de 70 anos ativistas políticas num enfrentamento duro e prolongado com os poderes e a cultura dominantes. Contudo, nem sempre a prioridade colocada no direito ao voto uniu as feministas dos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX. Como movimento interclassista nem sempre recebeu o apoio de feministas socialistas que o consideravam um movimento burguês. Todavia, em comum existia o questionamento de uma ideologia da “natureza” como estigmatizante das relações entre os sexos. A socialista marxista Clara Zetkin chega mesmo a defender o direito ao voto para as mulheres como importante para a autonomia das mulheres, para além da reivindicação do direito ao trabalho considerado o principal fator emancipador. O sufragismo como movimento sediado nos Estados Unidos e em alguns países europeus, em especial a Inglaterra, tem nas suas origens as lutas contra a escravatura e nem sempre se limitou à luta pelo direito ao voto, procurando integrar as lutas pela educação e o direito ao trabalho fora de casa. As divisões no movimento feminista, tendo como uma das principais divergências a prioridade dada em relação o voto nas reivindicações das mulheres, faz surgir em 1904, a Aliança Internacional para o Sufrágio das Mulheres, a partir de feministas que saíram nessa época do Conselho Internacional das Mulheres, que tinha sido fundado em 1888. Interessante será relacionar as divergências entre as feministas portuguesas que fazem surgir a Associação de Propaganda Feminista com o facto do voto de Carolina Beatriz Ângelo fazer parte do Relatório Final do 6º Congresso da Aliança Internacional para o Sufrágio das Mulheres, realizado em junho de 1911. Painel V – Mulheres, Cidadania e Direitos Humanos – I | Panel V – Women, Citizenship and Human Rights - I
Ana Maria Colling: “O paradoxo entre o voto e a cidadania feminina no Brasil” A constituição brasileira de 1934 introduziu o principio da igualdade entre o homem e a mulher, mas foram necessários 28 anos de inconstitucionalidade para que alguma reforma acontecesse. Isto não causava qualquer espanto entre os legisladores, que pareciam satisfeitos com o predomínio masculino, não somente na esfera pública, mas também na família. Até a instituição do Estatuto da Mulher Casada (EMC) em 1962, as mulheres brasileiras foram obrigadas a conviver com este paradoxo: cidadãs autônomas pela constituição e relativamente incapazes, pelo Código Civil Brasileiro (1917), herdeiro do código napoleônico. Era com o casamento, passaporte para a perda da capacidade jurídica, que a mulher rebaixava-se à categoria de menor, dependente do marido, mas o casamento, elevado ao único ideal feminino era a aspiração das mulheres, porque só assim seriam aceitas socialmente. O Estatuto da Mulher Casada corrigiu algumas aberrações, mas continuava ainda, o defloramento da mulher ignorado pelo marido como motivo de anulação do casamento, assim como o poder do pai em deserdar a filha considerada por ele como “desonesta”. Também mantinha a chefia da sociedade conjugal nas mãos do marido. Como ser cidadã, principio estabelecido pela Constituição de 1934, e poder ser devolvida após 10 dias de casamento se não for mais virgem? Como ser cidadã e obrigada a usar o nome do marido? Como ser cidadã se a casa pertencia ao marido e os hábitos pessoais eram por ele definidos? Como explicar este paradoxo: mulher maior de idade, capaz, ser excluída da vida jurídica, ser colocada entre loucos e menores assim que se junta ao rol das casadas? A supremacia marital, invocada pelos códigos, baseava-se na fragilidade, na inferioridade física que, paradoxalmente, só existia para as mulheres casadas. Federica Re: “Proto-Citizens”: Lombard Women during the Italian Unification Process” In 1861, a group of Lombard women submitted a petition to the Parliament of the new Kingdom of Italy, demanding that the civil and voting rights they had been granted under the Hapsburg domination be acknowledged and extended to all Italian women. This episode was one of the first public acts of protest against a new nation-state that did not recognize women’s involvement in the Italian Risorgimento, and denied them the access to the public sphere they had contributed to build. Through the analysis of some case studies, this paper will investigate the historical background in which such a claim emerged. The experiences of Luigia Cusani Confalonieri and Teresa Ghirlanda Trecchi will enlighten why and how these Lombard women became “proto- citizens”, aware of their rights and prepared to struggle for them as early as the Restoration period (1814-1859). I will achieve this purpose through in-depth archival research, with special focus on the women’s private letters, and comparing Hapsburg legislation to the pioneering practices of active citizenship carried out by these women. Specifically, it will be shown that maternity was a very important factor in helping them to deal with citizenship, as in Lombardo-Veneto wealthy mothers had to gain a new awareness of the laws that would influence their existence in order to protect the relationship with their children. This perspective is crucial to grasp the contradictions triggered by the Italian Unification and to reach a greater understanding of why Lombardy played a key role in the Italian emancipatory movement till the twentieth century, thanks to figures of international reputation like Anna Maria Mozzoni. Finally it offers new sources to examine the complex interaction between maternity and citizenship in nineteenth-century Europe. Cláudia Araújo: “Karama Rising for Dig nity: o trabalho de uma ONG transnacional na promoção da participação política das mulheres no Médio Oriente” Este trabalho focase n a Karama, uma ONG transnacional com sede no Egito e sucursais em 13 países de maioria muçulmana no Médio Oriente e Norte de África1, que luta ativamente para o aumento da participação política e cívica plena das mulheres, a inclusão dos Direitos das Mulheres nas Constituições, a eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres e a defesa da paz e da democracia na região. Esta ONG recorre a estratégias de articulação com governos e instituições governamentais locais, transnacionais e internacionais (incluindo ONGs na Europa e a União Europeia) e a parcerias com organizações no terreno, reunindo mulheres nos países em que atua e em diáspora, e ativistas e intelectuais da região e internacionais, na promoção da participação política das mulheres na região. Este estudo parte desta ONG para avaliar formas de ativismo e movimentos sociais na luta pela cidadania plena das mulheres, assumindo que os Direitos das Mulheres muçulmanas (ou sujeitas a leis que se dizem decorrentes do Islão) são uma luta que se trava a partir de diferentes instituições e recorrendo a instrumentos diversificados, que deve portanto ser considerada de forma contextualizada e histórica, através de uma perspectiva intercultural e dialética; visa igualmente perceber que forma esta ONG se relaciona com realidades da globalização, refletindo a expansão global da sociedade civil e da esfera pública, beneficiando das oportunidades e recursos proporcionados por esses mesmos processos de globalização, como as NTI e a publicação de textos institucionais internacionais, mas, ao mesmo tempo, constituindo respostas a desigualdades estruturais que esta causa ou revela. Daniela Garces de Oliveira: “A presença da mulher católica na política do Estado Novo” A pesquisa, desenvolvida no campo dos estudos de gênero, consiste na análise das diferentes concepções de feminino que permearam os periódicos católicos no início do século XX. Esse imaginário irá sendo construído por uma elite feminina católica letrada, preocupada em escrever sobre os ideais femininos a seguir. Tal grupo estava intimamente articulado com a política de enquadramento feminino no Estado Novo. É imperativo saber que as mulheres católicas não eram um grupo homogêneo, porém o presente trabalho deteve-se apenas nas mulheres católicas mais identificadas com o regime. A pesquisa tem por objetivo verificar a influência do pensamento dessas mulheres católicas que publicavam sobre outras mulheres, mostrando as tensões, resistências e negociações entre os múltiplos femininos. No que diz respeito as fontes, além da bibliografia sobre o tema, utiliza-se os discursos dos Jornais Novidades, da Revista Alleluia, da Revista Stella, ambas revistas católicas, destinadas ao público feminino. Com base nesse corpus documental é possível delimitar o enquadramento feminino, observando as tensões sobre o oposto do ideal e o seu combate. Do ponto de vista teórico, nos valeremos da obra de Michel Foucault e Gilles Deleuze para pensarmos a noção de construção do sujeito e de Joan Scoot, Michele Perrot, Margareth Rago, Anne Cova, para pensarmos gênero e história das mulheres. Partindo dos pressupostos teóricos trabalhados por esses autores, a investigação procurará mostrar a influência de um pensamento feminino católico conservador sobre outras mulheres. Painel VI – Mulheres, Cidadania e Direitos Humanos – II | Panel VI – Women, Citizenship and Human Rights - II
Ana Campina: “Direitos Humanos, Mulheres (vs/e) Homens e as Eleições em Portugal: a luta pela igualdade (do Estado Novo à Democracia)“ Na comemoração dos 40 anos da Constituição da República Portuguesa Democrática impõe- se refletir sobre a luta que as Mulheres tiveram que travar pela Igualdade de Direitos num humano paralelismo com os Homens. Trata-se de uma reflexão que assenta em Direitos Humanos e, pós-25 de abril, em Direitos Fundamentais devidamente legislados e reconhecidos em Portugal e pelas Organizações Internacionais às quais pertence o Estado Português. Ao longo do Estado Novo, de António de Oliveira Salazar, onde a opressão e a repressão perante as Mulheres foram uma árdua realidade, violação inequívoca dos Direitos de Igualdade e em todas as dimensões da vida social, familiar e profissional, sendo que as mulheres vivenciavam uma ostracização, perseguição e repressão pela "ousadia" de lutar pelos seus Direitos. Apesar destas quatro décadas de Democracia e, legalmente, Homens e Mulheres serem detentoras dos mesmos Direitos, é indubitável que há ainda muito que evoluir e há violações que importa consciencializar, refletir e "corrigir" como ação conjunta e da responsabilidade de e para tod@s. Porque a Memória histórica é construtora de uma sociedade sob valores humanos elementares à evolução, se nos centrarmos na questão do Direito de Voto, recordando Carolina Beatriz Ângelo que foi a primeira mulher a votar em Portugal, ainda que contrariando a vontade da Manuel de Arriaga. Já no Estado Novo, Salazar concedeu o voto exclusivamente ao "chefe de família" sem que tal se referisse a Homens ou Mulheres, e em 1933, o direito foi alargado a mulheres que reunissem uma panóplia de pré-requisitos e com restrições alargadas. A luta foi uma luta mas as Mulheres não conquistaram o direito ao voto livre. Assim, a luta foi árdua, e em 1974, com a Democracia, o direito de voto tornou-se universal, mas ainda assim as Mulheres tiveram e têm que manter a luta pela Igualdade. Aude Chatelard: “Uncovering women’s voices in ancient Roman votes” During the Roman Republic and Empire jurists write that women were excluded from public and civic charges. They were denied the right to vote and being elected and did not participate in army; all of these rights and duties were in fact granted to Roman citizens. This led modern historians to consider that women were indeed excluded from citizenship and participation to political matters. When examining the sources, both litterary and epigraphical, this exclusion appears to be less evident. From the sources we learn that women could be called civis, citizen, as early as the middle of the Roman Republic. Though it was not considered suitable for women to manifest publicly against a law, which had to be voted, women did so en masse in 195 BC. On this event, Livy tells that, despite not directly participating to votes, there was a general consensus in society, that women had to express a potential disapproval to their husband or father, who could carry their claims during the votes, as he would carry the voice of the whole family. It is also important to stress on the fact that the Roman Republic was no democracy. Votes were carried in census groups and the process was stopped once a majority was reached. In such circumstance, in fact, a large part of men never accessed voting and women of high rank were more likely to have indirect influence than such men. Finally, in early Empire, some electoral graffitis found in Pompei show that some women were recommending specific candidates, thus proving their interest and ability to participate in the process of voting. This also indicates, as recent studies showed, that their opinions were considered of value that their support was sought. Daniel Cardoso: ““Não me identifico”: cruzamentos de género e orientação sexual na participação cívica online em cidadania íntima de jovens portugueses”[1] A cidadania íntima (Plummer, 1994) é uma faceta emergente do mais vasto campo da cidadania política entendida no seu sentido clássico. Em Portugal, apesar dos vários e importantes avanços (legislativos e sociais) nesta área, ainda muito está por fazer (Cascais, 2006; Santos, 2013a, 2013b). Os jovens, em particular, sofrem de uma “cidadania difícil” ao nível de questões de género e sexualidade (Robinson, 2012). Não obstante, a internet tem sido importante em fazer emergir novas narrativas, e criar espaços de visibilidade e discussão política (Policarpo, 2011). Neste contexto, e a partir de onze entrevistas feitas a jovens entre os 17 e os 20 anos sobre as suas experiências do uso de novos media no contexto das suas vidas íntimas e sexuais, lidas através de Análise Foucauldiana de Discurso (Jäger & Maier, 2010), esta apresentação explora os diferentes posicionamentos face à participação cívica – online e presencial – sobre questões LGBT e de género. Fá-lo tomando como referência o conceito de subactivismo (Bakardjieva, 2009) e de activismo (Della Porta & Diani, 2006), procurando explorar actividades que vão para além da participação em actos políticos formais, e entendendo o activismo enquanto uma identidade negociada. Mostrar-se-á como questões de género, privilégio socioeconómico e de orientação sexual – em intersecção – são fundamentais para entender a participação cívica enquanto um jogo de (des)identificações e (des)responsabilizações que convocam uma governamentalidade de si e dos outros (Foucault, 2000, 2002). Estanislau Franco: “O Impacto da Crise Económica nas Desigualdades de Género da Participação Política na Europa do Sul: Uma Análise Longitudinal (1985-2014” Os estudos de género e política têm explorados poucos os países do sul da Europa, deixando de certo, algumas lacunas tanto ao nível comparativo como ao nível diacrónico, bem como a oportuna análise que reflete o impacto da crise económica no ativismo político destes países. A comunicação centrar-se-á em dois grandes momentos: num primeiro momento, procurar-se-á fazer uma análise longitudinal (1985-2014) para perceber a diferença de género ao nível da participação política nos países da Europa do Sul, comparando-os entre si. Num segundo momento, procurar-se-á analisar o impacto que a crise económica terá tido nas desigualdades de género na participação política dos países mais afetados pela crise (países da Europa do sul) em comparação com os países menos afetados, tais como, os países nórdicos, países da Europa central e ocidental e do leste, durante os momentos mais marcantes (2008-2012) da crise económica. A metodologia a ser utilizada é quantitativa, consistindo na análise de dados secundários disponíveis em bancos de dados internacionais (Four Nations Study, 1985; ESS, 2002-2014; CSES, 2001-2006; WVS, 2004; EVS, 1981-2008; EES, 1999-2014). No primeiro momento, conforme tem sido apontado pelos especialistas da participação política e gender gap, aparentemente, as desigualdades de género não só desapareceram nas formas de participação eleitoral, como também começaram a desaparecer, principalmente a partir do início do novo século, nas formas não convencionais de participação política, persistindo ainda nas formas convencionais e na(s) forma(s) comunitária(s) política(s) nas novas democracias europeias (Baum e Espírito-Santo: 2004; Kaase, 2007: 788-9). E, no segundo momento, observou-se que durante o período austero, à exceção da participação eleitoral, a crise económica causou um impacto significativo nas diferenças de género nas demais formas políticas, sobretudo, nos países mais afetados, verificando-se um declínio da participação das mulheres nas formas convencionais e não convencionais no sul europeu, em particular. [1] Apoio financeiro da FCT com a Bolsa de Doutoramento SFRH/BD/73079/2010. |